Wagner Lopes - Repórter
Toda vez que a dona-de-casa Maria das Neves Bezerra, de 74 anos, deixa sua residência, na entrada da zona urbana de Ipanguaçu, costuma dar uma olhada para os céus. Não se trata de oração, mas não deixa de ser um ato de fé. A fé de que as nuvens não se transformem em chuvas como as que caíram em 2008 e 2009, na região do Vale do Açu, e que resultaram em inundações dos rios Pataxó e Piranhas-Açu, alagando parte do município, expulsando moradores e destruindo plantações.
fotos:rodrigo sena
Maria das Neves Bezerra ficou desabrigada em 2008 e desde então, todos os dias, reza para que a cidade não presencie um novo temporal como o que ocorreu há dois anos
O temor é grande e tem fundamento. A Emparn já alertou que o próximo período chuvoso deve ficar acima da média histórica, com possibilidade de enchentes semelhantes às registradas há dois anos. E as obras preventivas de maior porte, que poderiam reduzir os riscos de uma nova tragédia, não saíram do papel, limitando-se a pequenas intervenções de proprietários e da Prefeitura em trechos do Pataxó.
Maria das Neves morou 11 meses na casa de uma filha, até o início de 2009, porque sua residência virou um verdadeiro leito de rio nas chuvas de abril de 2008. As águas atingiram “dois palmos de altura” dentro do imóvel e o piso chegou a ceder aproximadamente 10 centímetros. Paredes racharam e foi preciso uma reforma completa para a família retornar à moradia.
O medo que os problemas se repitam é algo permanente e aumenta com as imagens das tragédias provocadas recentemente pelas chuvas no Sudeste. “Já estou olhando para o tempo. Estou de olho porque a previsão pra esse ano é de chuva e quando a gente fica assistindo o que está acontecendo no Rio de Janeiro, aí é que fico preocupada mesmo.”
Ela afirma que convive com cheias em Ipanguaçu desde 1964, mas nunca tinha vivido uma situação igual às de 2008 e 2009. “O pouco que consegui fazer de melhoria na casa foi com a ajuda da igreja. Dos governos, só recebemos duas cestas básicas na época”, recorda. Em relação às obras preventivas, a situação é a mesma. “Fizeram nada. O principal, que era a limpeza do rio, não foi feita”, resume.
O agricultor Francisco de Assis Lopes, da comunidade de Base Física, também em Ipanguaçu, revela que já há serviços sendo executados, mas nada que impeça novas inundações. “Uns três proprietários fizeram uma limpeza no leito do rio e aí a prefeitura viu que ficou bom e decidiu fazer também em outros trechos, mas se a barragem de Pataxó sangrar com 50 centímetros, acho que já alaga tudo de novo”, teme.
Uma casa, de quatro quartos, teve de ser derrubada em sua propriedade, após as inundações de 2008 e 2009. Desde então, ele aguarda uma ajuda financeira que nunca chegou. “A água alcançou bem um metro de altura e a casa já estava oca por baixo, tivemos de derrubar o resto”, revela. No seu entender, é necessária um amplo serviço no rio Pataxó para evitar novas enchentes.
“De Assis”, como é conhecido, lembra que há algumas décadas a barragem do Pataxó sangrava com uma lâmina de até 2,5 metros sem que as águas ultrapassassem o leito do rio, porém, com o assoreamento e a falta de limpeza, o rio foi tomado por mato e árvores e uma sangria de pouco mais de um metro foi suficiente para causar os estragos registrados em 2009. “É torcer para esse ano isso não se repetir”, afirma.
Comunidade teme novas inundações
Dois anos depois da última grande enchente, muita tinta, algumas reformas e a ação do tempo apagaram das paredes das casas da comunidade de Frei Damião, em Ipanguaçu, a marca das inundações. No entanto, qualquer nuvem negra no céu é suficiente para que as marcas deixadas na lembrança da população voltem à tona.
A agricultora Josicleide Felipe da Silva, de 34 anos, foi uma das centenas de pessoas do conjunto que tiveram de procurar abrigo em um colégio. “No começo tivemos ajuda, com alimentos, colchões, mas depois nada. E agora estamos com medo. Disseram que iam limpar o rio e até aqui nada. Pode voltar a acontecer”, lamenta.
Em sua residência, a água atingiu mais de um metro de altura e os móveis só não foram perdidos porque os moradores de Frei Damião ficaram atentos à subida do nível do rio e retiraram o que puderam antes de a área ser alagada. O cuidado se tornou um hábito na vida de pessoas como a dona-de-casa Luiza Pedro Batista da Silva, de 64 anos, cuja casa também foi invadida.
“Agora quando começa a chover eu já arrumo as coisas, pra tirar tudo rapidamente, se for preciso”, revela. Segundo “dona Luiza”, a canoa era a única forma de acesso às residências, no momento crítico das enchentes de 2008 e 2009. “Foram os piores anos de inundações que já vi, desde que moro aqui, foi água pra acabar com tudo mesmo”, recorda.
Diante da falta de ação do poder público e das promessas de inverno chuvoso em 2011, Luiza e Josicleide entendem que só há uma coisa a se fazer por parte dos moradores da comunidade que leva o nome de um religioso: pedir a Deus para que a tragédia não se repita.
bate-papo - » Joildo Lobato Defesa Civil de Ipanguaçu
O que é necessário para evitar novas inundações na cidade?
O que queremos inicialmente é que seja desenvolvido o projeto que foi apresentado e que, se realmente for executado, resolve o problema e tranquiliza o nosso município.
O que se vê hoje em relação à situação do rio Pataxó é praticamente a mesma de dois anos atrás, quando ocorreram as últimas inundações?
É, realmente, se chover acima da média com certeza vamos ter a mesma situação que passamos.
E qual pedido vai ser levado à nova gestão do governo do estado?
Queremos que o novo governo, de imediato, dê uma atenção mais especial ao município de Ipanguaçu, que foi o mais atingido pelas cheias na região do Vale do Açu, já que nossa cidade é cercada por dois rios. Temos uma produtividade muito grande, em fruticultura, então temos sido prejudicados economicamente desde 2004. Em 2004 houve enchente, em 2008 de novo e em 2009 também. Então empresas que investiram em Ipanguaçu reduziram investimentos e isso gerou ainda desemprego pra nossa população.
Pataxó passa por limpeza parcial
O proprietário rural Edilson Cipriano de Lima, de 56 anos, começou a ficar um pouco mais otimista em relação ao período chuvoso deste ano, devido a um trabalho de limpeza realizado no leito do rio Pataxó, por proprietários de terra e pela Prefeitura de Ipanguaçu. O serviço, embora pontual, pode reduzir os riscos de enchente na região de Pau de Jucá, zona rural de Ipanguaçu, onde fica sua propriedade de 28 hectares.
“Se tivessem feito essa limpeza em todo o rio não tinha havido enchentes do jeito que houve nesses anos atrás, de jeito nenhum”, acredita. Nas chuvas de 2008 e 2009, ele diz ter perdido toda plantação de manga, mamão e banana, avaliada em aproximadamente R$ 300 mil, no entanto nunca recebeu um centavo sequer de ajuda por conta dos prejuízos. “Perdi foi tudo. Prometeram ajuda e nada.”
O trabalho de limpeza executado em trechos do Pataxó teria começado pela iniciativa de alguns produtores e foi encampado pela Prefeitura. Uma espécie de retroescavadeira retira árvores, mato e parte da areia que obstrui o fluxo da água, ampliando o leito e facilitando o escoamento. “Antigamente as águas passavam por dentro do leito, mas com o tempo foi assoreando, enchendo de pé de pau, e aí nem tinha mais como seguir e se espalhava toda, alagando tudo, pois praticamente não havia mais rio”, revela.
Com as limpezas, Edilson Cipriano torce para que o período chuvoso de 2011 não repita os prejuízos de 2008 e 2009. Ainda assim ele admite que a realidade da maior parte do rio Pataxó é a mesma de dois anos atrás. “Tem muito canto que é cheio de pé de pau no meio da água e aí não tem nem como a água passar direito”, critica.
O assessor do gabinete da Prefeitura de Ipanguaçu, Joildo Lobato, também destaca que o problema das inundações em Ipanguaçu só será resolvido, de fato, com a execução de um projeto de macrodrenagem do Pataxó. O projeto já existe, mas ainda não saiu do papel. “Nesses últimos anos o governo (do estado) fez uma limpeza no rio, mas foi algo muito superficial”, revela.
Ele diz que a Comissão de Defesa Civil do Município já se reuniu, na última sexta-feira, para discutir as medidas preventivas e uma das ações apontadas como fundamental é uma “revisão” na parede da barragem do açude Pataxó. “Solicitamos isso à secretaria de Recursos Hídricos, eles estiveram lá no ano passado, mas não foram tomadas as providências necessárias”, enfatiza.
Segundo Joildo Lobato, o objetivo do prefeito Leonardo Oliveira é levar a preocupação da Prefeitura e dos moradores de Ipanguaçu à governadora Rosalba Ciarlini, nos próximos dias, no intuito de solicitar a realização de ações preventivas. “Fomos a cidade mais atingida pelas enchentes e mais de 500 pessoas ficaram desabrigadas”, relembra.
previsão
O meteorologia da Emparn, Gilmar Bristot, concedeu entrevista publicada domingo na TRIBUNA DO NORTE na qual revela que a previsão é de um volume de chuvas acima da média para o semiárido potiguar em 2011. Em sua opinião, autoridades, produtores e população das regiões dos vales do Açu e do Apodi devem adotar atitudes preventivas para evitar maiores prejuízos, pois “tudo indica que as chuvas serão semelhantes às de 2008 e 2009” e algumas podem atingir mais de 100 milímetros, aumentando rapidamente o volume de reservatórios como Santa Cruz, em Apodi, e a Armando Ribeiro, em Assu. O alerta vale também para os proprietários de pequenos açudes, pois se permanecerem essas condições, não será uma situação controlável, pois haverá muita água. É preocupante. Exceto se houver uma mudança drástica, o que não acredito”, resume.
Fonte: Tribuna do Norte
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