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terça-feira, 10 de março de 2009

Estiagem reduz volume das sangrias nos açudes


O fato de seis grandes açudes terem sangrado já em meados da semana passada, nas regiões Oeste, Central e do Vale do Açu, criou a expectativa de que as sangrias ganhariam volume e se estenderiam rapidamente, em um “efeito dominó”. No entanto, a estiagem dos últimos dias foi o bastante para o nível da correnteza sobre os sangradouros se reduzir a meros centímetros em diversos desses reservatórios.

Da manhã de sexta-feira até a manhã de ontem, a Emparn registrou chuvas em apenas 20 municípios, sendo que a maior não ultrapassou os 23,8 mm (em Lajes, na região Central). Houve pancadas também em Pedro Avelino (21,4mm) e Pendências (21,5mm), porém nada comparado às precipitações do fim de semana anterior, quando as chuvas ultrapassaram os 100 mm em municípios como Jucurutu, Montanhas e Florânia, e fizeram sangrar os açudes.

A redução no volume atingiu inclusive o Beldroega, primeiro açude a sangrar no Estado, em fevereiro. A lâmina d’água teria atingido 50 cm, porém no último sábado não passava de 10 cm. A pequena vazão não atraiu muitos visitantes nesse final de semana. Os jovens é que aproveitam para se arriscar em pescarias.

Risco também correm os motociclistas que atravessam a “passagem molhada”. Porém, a travessia é cada vez mais necessária, uma vez que o aumento da sangria pode deixar as comunidades do “outro lado” do açude ilhadas.

Desabrigados contabilizam as perdas

Com o tempo ensolarado dos últimos dias, o chamado “Açude Velho” de Angicos aparentava ser, nesse fim de semana, somente mais um belo reservatório em meio à zona urbana de uma cidade. Em quase nada lembraria a violência de suas águas, que varreram boa parte das terras e invadiram diversas casas após as chuvas de 2 de março, não fossem as máquinas da prefeitura refazendo ruas destruídas, o lixo deixado em meio ao mato e moradores voltando às residências para contabilizar os prejuízos.

“O que deu para tirar a gente levou embora, mas perdemos os eletrodomésticos menores e a geladeira mesmo ficou boiando e rodando em meio à cozinha inundada”, afirma o vigilante Aldenir Martins. Sua casa foi invadida pelas águas, que atingiram cerca de um metro de altura na residência e no pequeno comércio conjugado, no qual ele estima ter perdido 30% dos produtos que vendia, como brinquedos e brindes em geral.

A correnteza vinda do “Açude Velho” e de outros açudes menores destruiu o muro da casa de Aldenir Martins e também aumentou a revolta do vigilante com o poder público. “Aqui a prefeitura só se preocupou com o calçamento. Não perguntaram nem como as famílias estavam, nem para onde iam”, reclama. Ele foi com os parentes para a casa de seus pais, mas sabe que terá de retornar. “Aluguel não posso pagar”, diz.

Nas residências vizinhas, alguns moradores já constroem verdadeiros diques em torno de suas casas, mesmo assim a expectativa não é das melhores. “Pobre compra casa onde dá para comprar e não temos como ir para um lugar mais alto. E se esse açude for embora?”, questiona a agricultora Maria Raimunda Lopes, temendo um futuro que pode se tornar cinza sem aviso prévio. “Na segunda-feira (2) mesmo, o dia estava lindo, mas de cinco horas da tarde já tinha uma multidão de gente na minha rua, buscando casa para alugar porque as deles tinham sido invadidas”, explica a dona-de-casa Raimunda dos Santos.

Entre essas pessoas certamente não estava a também dona-de-casa Ivone Maria de Moura. Mesmo grávida de nove meses e com dois filhos pequenos, ela não teve muita escolha. “Penduramos o que tínhamos, perdemos o guarda roupa, mas não recebemos ajuda de ninguém, nem da prefeitura. Não fomos para lugar nenhum porque não temos para onde ir”, resume.

Mendubim em Assu começa a sangrar

Mais um açude acaba de sangrar no RN. A Semarh registrou no domingo, 8, a sangria do açude Mendubim, em Assu. O reservatório, com capacidade acima de 76 milhões de metros cúbicos, está localizado na bacia do rio Piranhas Açu e é o sétimo a ultrapassar a capacidade máxima.

Maior açude a sangrar este ano no Estado, o Pataxó, em Ipanguaçu, perdeu parte de seu volume com a estiagem dos últimos dias, porém ainda preocupa quem conhece sua estrutura. Moradores da comunidade de mesmo nome criticam a falta de cuidados por parte do poder público e apontam até mesmo a suspeita da multiplicação de formigueiros ao longo da parede do reservatório.

No ano passado, um mutirão comunitário ajudou na limpeza do açude, mas até o último sábado a única notícia era de que uma empresa havia começado a trabalhar preventivamente, porém não no reservatório, mas sim no trecho até a zona urbana de Ipanguaçu. “A nossa preocupação é com a parede, que está sem reparos, e também com a população de Ipanguaçu, que ano passado sofreu muito com a sangria daqui”, reconhece a comerciante Valdineide Cosme.

No final de semana havia somente alguns centímetros d’água por sobre o sangradouro, porém muitos agricultores acreditam que o “inverno” pode resultar em uma sangria igual ou superior à de 2008, quando atingiu cerca de 1,20 m. Mesmo sem a força do ano passado, porém, o açude já chama a atenção dos turistas.

Açudes no Seridó: longe das sangrias

Enquanto a notícia das sangrias já começou a se espalhar no Vale do Açu e do Apodi, na região do Seridó a maior parte dos açudes está longe de atingir seu volume máximo. No Itans, em Caicó, os dois metros que faltam são o bastante para manter a população ainda cautelosa quanto ao início da “festa das águas”. “Ano passado sangrou uns três meses e este ano também vai ser assim, se Deus quiser! Mas ainda deve demorar”, avalia a dona-de-casa Maria do Socorro Medeiros.

Ela vive com a família ao lado da parede do Itans e seu marido, Osvaldo Medeiros, reforça a crença da esposa. “Este ano tem tudo para sangrar muito”, enfatiza. O casal afirma que a sangria multiplica o número de visitantes e o movimento na região, porém lembram que também trouxe transtornos para alguns moradores da cidade, que ficaram desabrigados em 2008 devido à força das águas que passavam pelos três sangradouros do reservatório.

Já o comerciante Cícero Dias, cujo bar fica às margens do Itans, considera que a sangria virá tarde, pois as chuvas têm sido fracas e esparsas. “Ano passado deu mais de metro de sangria, agora para sangrar é preciso que o de Ouro Branco sangre primeiro”, aponta, referindo-se a um dos açudes rio acima. Até sexta-feira, o volume do Itans era de apenas 68% de sua capacidade máxima, um dos menores percentuais entre os grandes reservatórios potiguares.

No Gargalheiras, em Acari, a situação não é muito diferente. Faltando 1,30 m para a sangria, o açude está com 70% de sua capacidade e a previsão é de que não atinja os 100% este mês. “Acho que agora para março não dá mais. Quando choveu bem no início do mês pegou uns 20 cm, mas foi só. O suficiente para o plantio, mas não para o açude”, diz Manoel Rosendo Neto, funcionário de um hotel próximo.

A expectativa entre os comerciantes e donos de pousadas é grande, porque a bela sangria do Gargalheiras costuma atrair milhares de visitantes para a região. Até por isso a torcida é intensa, já que em 2008 o açude sangrou ainda no mês de fevereiro. “Deve ser mesmo algo muito bonito. Lá de onde venho tem um açude maior, mas foi um serviço grosseiro, não tem a beleza dessa parede daqui”, compara Florêncio Ferreira, de Picuí, na Paraíba. Ele aproveitou o fim de semana para conhecer o Marechal Dutra, nome oficial do reservatório, e agora garante: “Quero voltar com ele sangrando.”


Fonte: Wagner Lopes - Repórter (Tribuna do Norte)

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